NAVEGAÇÃO FLUVIAL DO ARAGEM  (SEGUNDA PARTE).


A noite do dia 20 de abril, véspera da partida, foi para arrumação do barco. Levamos nossa bagagem para bordo, quando então tomei posse da cabine que me destinara desde a construção do Aragem: a do beliche duplo. Claro que eu não cederia a ninguém, principalmente logo na primeira viagem.

Também foram embarcados materiais de limpeza e mantimentos. 

Após aquele primeiro pernoite no rio, partimos, logo na manhã seguinte. Uma tripulação de seis pessoas, sendo que duas desembarcariam na segunda atracagem, Miguel Alves, pois tinham compromissos a cumprir em Teresina.



Deixando para trás o cais do Poty Velho (foto acima), rumamos em direção ao Rio Parnaíba, onde belas paisagens nos esperavam, mas também muito desencanto por vermos o rio tão maltratado, com sua mata ciliar destruída para dar lugar
a monoculturas extrativas, como cana-de-açúcar e bambú. Víamos o resultado da pura ganância e falta de consciência ambiental dos donos dessas indústrias, somada à negligência das autoridades, que deixam de fiscalizar e fazer cumprir a lei.

Um novo Código Florestal, recentemente aprovado, afirma que vai repor tudo ao estado da legalidade, o que implica em fazer com que os depredadores ambientais reconstituam o que foi depredado, sob pena de pesadas multas e punições de ordem criminal. É ver para crer.      



Pela metade do dia, ancoramos e foi servida uma apetitosa feijoada, a cargo do compadre Edson, que nos brindou, como sempre, com sua reconhecida qualidade de ótimo anfitrião e excelente gourmet. A foto mostra nosso gourmet preparando, no capricho, a feijoada do sábado. 






Naquele primeiro dia de navegação no rio Parnaíba, avançamos muito pouco. Contrariando nossa expectativa, visto que a estação chuvosa mal terminara, o rio continuou bastante assoreado. O canal mudava de margem o tempo todo e o barco sofreu alguns encalhes. Fizemos apenas cerca de 50 quilômetros, chegando a União só no finalzinho da tarde.

A família fora por terra e nos esperava no atracadouro, onde também alguns amigos e curiosos assistiram nossa chegada. Um grupo, incluindo minha filha caçula (a Ri, do Li-Si-Ri), fora de canoa a motor nos alcançar.

Este vídeo mostra a aproximação do Aragem e as manobras feitas para atracagem em União, nosso primeiro porto e onde pernoitaríamos naquele primeiro dia de navegação no Parnaíba. Provocamos algum banzeiro, balançando as pequenas embarcações locais ali atracadas. Mas foi inevitável, pois devíamos navegar o mais próximo possível das margens, onde quase sempre fica o canal.

Em continuidade, as fotos abaixo mostram o Aragem manobrando para atracar. Atada a contrabordo, vê-se a lancha BEMPOSTA, onde eram feitas as explorações, rio abaixo, em busca do canal navegável.








Atracadouro na cidade de União, margem do Piauí, onde familiares, amigos e alguns curiosos observavam a aproximação do Aragem.

Apesar da alegre torcida, o ânimo da tripulação não era dos melhores, depois de tantos encalhes em tão curto trajeto de navegação e frente à incerteza do que viria pela frente. Afinal, se em 50 quilômetros gastamos um dia todo, quando iríamos chegar a nosso destino?



Aqui vemos a lancha BEMPOSTA auxiliando numa das operações de desencalhe do Aragem.



Nosso terceiro pernoite no rio foi em Miguel Alves, após mais uns 50 quilômetros sofridos. Neste trecho houve o pior e mais demorado encalhe. Pensei que não passaríamos dali, uma perspectiva que ainda hoje procuro afastar. Porém, saímos sem nenhuma avaria.

Em Miguel Alves, desembarcaram: meu genro Ricardo e o compadre Edson, que tinham compromissos em Teresina. Com o desfalque de nosso gourmet, as coisas ficaram difíceis na cozinha. Foi um "salve-se quem puder", até o próximo pernoite, quando passamos a comprar comida feita, além de material para lanches e café da manhã.     

Felizmente, como era esperado, depois de Miguel Alves o rio melhorou cem por cento; literalmente, pois dobramos nossa singradura. A mata nativa das margens está mais preservada, pois o habitante ribeirinho não é tão voraz como os senhores das indústrias, até porque não detém o mesmo potencial destrutivo. Então, fizemos mais de 100 quilômetros naquele dia e fomos pernoitar em Pôrto, com toda a tripulação na maior autoestima.

Infelizmente, nunca tínhamos a quilometragem exata, devido aos inúmeros retrocessos que fomos obrigados a fazer  para evitar encalhar.



Navegamos com o GPS sobre o GooPS. Embora às vezes faltasse o sinal da internet, isto nos dava a velocidade do barco com bastante exatidão e, juntamente com o sonar, permitia antever a aproximação dos bancos de areia.    



O comandante fazendo uma rápida anotação para futuro relato.
  

MAIS ALGUMAS FOTOS DA NAVEGAÇÃO FLUVIAL:



Buscando o canal navegável na outra margem. Mas aqui sem nenhuma dificuldade, pois o rio está bem menos assoreado. Percebe-se pela exuberante vegetação das margens.

 

O sonar marca menos de 2 metros de água sob a quilha. Já era sinal para diminuirmos a velocidade. O alarme fora programado para soar com 1,6m.  



Em compensação, margeando este serrote, na cidade de Milagres, margem maranhense, o sonar indicou mais de 18 metros sob a quilha. Foi a maior profundidade encontrada.



Acima, o porto de Milagres, onde se vê um barco maior atracado. Nós seguimos aquele barco, desde alguns quilômetros depois de Pôrto, até Milagres, onde ele atracou. Na verdade, é um bazar ambulante que vende todo tipo de mercadorias; do fósforo ao gás butano, dos gêneros alimentícios aos tecidos e aviamentos para confecção de roupas. O barco sobe e desce o rio ao menos uma vez por semana, parando nas cidades ribeirinhas para vender seus produtos.

Na abordagem, ainda próximo a Pôrto, perguntamos aos tripulantes da barcaça sobre as condições do rio mais abaixo. Eles disseram para lhes seguirmos. E assim fizemos. Afinal, são homens que conhecem cada palmo do rio e certamente nos guiariam com segurança. Foi uma bela e tranqüila navegada.

Em Milagres, deixando aquele providencial bazar-embarcação pelo través de bombordo, buzinei algumas vezes, para agradecer.     
 
Foi a mais bela passagem do rio. Marcou-me, sobretudo, a imagem da igrejinha dominando aquela paisagem de porto seguro.



Nosso quarto pernoite foi em Luzilândia, onde chegamos também ao final da tarde, após cento e poucos quilômetros de confortável navegação.

Abaixo, imagens feitas ao amanhecer, no porto de Luzilândia. 








Depois de Luzilândia, não fizemos uma navegação excelente. Embora sem nenhum encalhe, o rio tornou-se difícil de novo. Tivemos que recuar algumas vezes. Chegamos a lançar âncora e esperar muito tempo, enquanto o caminho era estudado. A demora forçou um quinto pernoite, após passarmos a Ponte do Jandira.

   

Passando por Murici dos Portelas, onde também houve muita demora na localização do canal.



Aproximando-nos da ponte do Jandira. Cerca de 40 quilômetros ainda nos separavam da entrada do Igaraçú. A promessa de águas mais profundas e a visão das torres de celular, ao longe, pareciam anunciar um breve desembarque.

Mas era ledo engano. Após passarmos a ponte, soou o alarme do sonar, indicando que havia pouco mais de um metro de água ali embaixo. Era perigoso avançar com a noite caindo, pois havia risco de encalhe. Resolvi que atracaríamos ali mesmo.

Atracamos no lado maranhense. A âncora foi enterrada na areia da margem e a popa presa por um cabo a uma árvore, enquanto escurecia rapidamente. Na margem piauiense, luzes indicavam a existência de habitações que não pudemos definir à luz do dia. E quando a noite avançou, ouvimos o som de tambores. Eram, sem dúvida, de um culto religioso, de candomblé.

Que os deuses velassem aquela nossa quinta noite no rio...



Finalmente, à tardinha do dia 25 de abril de 2012, ancoramos em frente à Beira-Rio, cidade de Parnaíba.




O Aragem ancorado na Beira-Rio, em Parnaíba, após quatro dias de navegação e cinco pernoites. A manhã seguinte foi para tratar da regularização na Capitania dos Portos, no cais em frente.

Nossa próxima etapa será colocar o mastro com seu estaiamento, processo que documentaremos neste site. Até lá!