DE VOLTA PARA CASA (TRAVESSIA
FORTALEZA /
PARNAÍBA)
O
Aragem deixando
Camocim rumo a Parnaíba, ao amanhecer, motorando barra a fora.
Que
pena! A REFENO ficou para depois. Meus planos de
participação na regata já neste ano de 2013
haviam
falhado diante da evidência que eu teimara em
descartar: as reais condições do Aragem, naquele
momento, para enfrentar uma singradura notoriamente difícil que
é descer a costa meio norte e parte nordeste no segundo semestre
do ano, principalmente a partir de setembro (>>>
Vide relato da travessia Parnaíba a Fortaleza). Eu, que
antes já me apressara em descer o Aragem
até o mar, navegando pelos assoreados rios Poty, Parnaíba
e Igaraçú, quando ainda faltavam alguns detalhes de
terminação do barco, fora agora tentado a repetir a dose,
enfrentando condições ainda mais adversas. Só que
minha apressada colocação do barco na água e
imediata viagem fluvial, naquela
inesquecível tarde
de 21 de abril de 2012,
fora devido à ocorrência
de várias circunstâncias curiosamente favoráveis e
convergentes à minha partida (>>>
Vide relato da colocação do Aragem na
água e de sua navegação até o mar). E
hoje eu vejo que teria grandes dificuldades --- até
mesmo
fracasso --- em pôr o Aragem na
água e navegar com ele, caso tivesse perdido aquela chance.
Mas com a REFENO foi diferente. Como já relatei anteriormente,
uma série de fatos somaram para que o
projeto não tivesse o êxito esperado, terminando a
meio caminho.
Após
sua primeira perna, o
Aragem
ficou ancorado na tranqüila enseada do
Mucuripe, em Fortaleza, enquanto passava por
manutenção
e alguns reparos antes de seguirmos viagem para Natal. Eu voltei
a Teresina, pois tinha compromissos
a cumprir antes da REFENO. Mas, apesar dos contratempos surgidos
com o
barco, nunca me passara pela cabeça a idéia de
desistir. Eu estava determinado, como sempre fui.
O problema é que não houve consenso na
tripulação. Havia o fator tempo, pois a nossa viagem
ía muito devagar. Mesmo que tudo corresse
bem, chegaríamos a Recife em cima da hora e muito cansados.
Valeria a Pena? Ainda sugeri a contratação de um skipper, que levaria o barco
direto, sem paradas, até Natal. Isto nos pouparia --- uma
tripulação de velhos amadores --- e daria folga
de tempo em Recife, recuperando o fôlego e alimentando o
espírito para participar da regata. Não foi aceito.
Então,
fazer o que? Fossem outros tempos, os marujos iriam andar na
prancha (risos).
Mas hoje, sem tripulação, restou-me desistir.
Ocorre que, assim como sou determinado, resigno-me também,
quando
é preciso.
Adapto-me facilmente às situações. Busco nas
decepções aprendizado. Outras
oportunidades virão, sem dúvida alguma, com barco e
tripulação
devidamente
afinados e em períodos mais propícios. Aqui, apenas
cedi ao
capricho de não dar meia-volta. Pedi ao companheiro de
Fortaleza e ele aceitou trazer-me o Aragem
até Camocim, onde o esperaria para trazê-lo de volta (>>>
Vide relato dessa travessia ).
Certamente
eu não fui o primeiro nem serei o último que
recuou. Ainda há poucos dias, quando eu relia MARÇAL
CECCON, no seu "Um Giro Pelo Atlântico", ele descreveu como teve
que adiar sua travessia atlântica, em 2004, quando subia a
costa de Salvador ao Recife, para participar da REFENO e dali
rumar ao Caribe, porque dois estais do seu veleiro Rapunzel haviam
se partido, felizmente sem maiores conseqüências,
permitindo-lhe recuar quando ainda em condições de
fazê-lo.
Velejar até
Fortaleza, em condições de vento e mar que estão
longe de serem as ideais, já foi uma senhora aventura, vivida
por muito poucos. Um
belo batismo de mar, para o Aragem e para
mim.
Aliás, essa dificultosa singradura já era
comentada pelos antigos navegadores portugueses, como é
possível ver no seguinte texto citando o Padre ANTONIO
VIEIRA:
"Uma das mais difficultosas e trabalhosas
navegações de todo o mar Oceano, escreve o illustre
Antonio Vieira, é a que se faz do Maranhão até o
Ceará por costa, não só pelos muitos e
cégos baixios, de que toda está cortada, mas muito mais
pela pertinacia dos ventos e perpetua correnteza das aguas. Vem esta
correnteza feita desde o cabo da Boa Esperança, com o peso das
aguas do Oceano na travessa, onde elle é mais largo, que
é entre as duas costas de Africa e America, e começando a
descabeçar desde o cabo de Santo Agostinho até o cabo do
Norte, é notavel a força que em todo aquelle cotovello de
costa faz o impeto da corrente, levando após si não
só tanta parte da mesma terra que tem comido, mas ainda aos
proprios céos e os ventos que em companhia das aguas e como
arrebatados dellas, correm perpetuamente de Léste a Oeste.
"Com esta contrariedade continua das aguas e dos ventos, que
ordinariamente são brisas desfeitas, fica toda a costa deste
Estado quasi innavegavel para barlavento, de sorte que do Pará
para o Maranhão de nem um modo se póde navegar por
fóra e do Maranhão para o Ceará com grandissima
difficuldade, e só em certos mezes do anno que são os de
maior inverno.
"Navega-se nestes meses pela madrugada com a bafagem dos terrenhos, os
quaes como são incertos e duram poucas horas, todo o resto do
dia e da noite, e ás vezes semanas e mezes inteiros, se
está esperando sobre ferro na costa descoberta e sem abrigo,
sendo este um trabalho e enfadamento maior do que toda a paciencia dos
homens; e o peor de tudo é que, depois desta
tão cançada porfia, acontece muitas vezes tornarem
as
embarcações arribadas ao Maranhão."
E o admiravel escriptor cita o caso de dois jesuitas que indo em uma
sumaca de S. Luis para o Camucim, gastaram cincoenta dias em montar
só até o rio Prequiça, viagem que, quando
desenganados, resolveram tornar, desandaram em doze horas.
(Copiado do livro Caminhos Antigos e o
Povoamento do Brasil, do grande historiador maranguapense J. Capistrano
de Abreu, cap. V , fac-similar da edição de 1930,
Cia Brasileira do livro. Foi mantida a grafia original.)
= Crédito para HTTP://www.veleirochaposo.blogspot.com
=
Alguns dirão que os tempos são outros, que as
embarcações se modenizaram, que os sistemas de velas
foram aperfeiçoados. Isto é verdade. Mas a engenharia e a
moderna tecnologia não fizeram milagres. Apenas tornaram
viável e um pouco menos heróico aquilo que outrora
era quase impossível. O mar, esse continua o mesmo.
Enfim, muito ao contrário, a volta para casa foi excelente.
Velejada de um pano só.
Apenas
de genoa, toda em cima.
À tardinha, estávamos fundeando no
Igaraçú, em frente ao nosso pequeno trapiche.